quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A MELHOR E A PIOR COMIDA DO MUNDO



Da Peça teatral "A Raposa e as Uvas" de Guilherme de Oliveira Figueiredo (Campinas, SP 1915 - Rio de janeiro, RJ 1997) dramaturgo brasileiro, irmão do último presidente militar João Figueiredo.

A fábula é uma narrativa alegórica, em forma de prosa ou verso, cujos personagens são geralmente animais que sustentam um diálogo, cujo desenlace reflete uma lição de moral, característica essencial dessa. A temática é variada e contempla tópicos como a vitória da fraqueza sobre a força, da bondade sobre a astúcia.



Há mais de dois mil anos, um rico mercador grego tinha um escravo chamado Esopo. Um escravo corcundo, feio, mas de sabedoria única no mundo. Certa vez, para provar as qualidades de seu escravo, o mercador ordenou:

- Toma, Esopo. Aqui está este saco de moedas. Corre ao mercado. Compra lá o que houver de melhor para um banquete - A melhor comida do mundo!

Pouco tempo depois, Esopo voltou do mercado e colocou sobre a mesa um prato coberto por fino pano de linho. O mercador levantou o pano e ficou surpreso com o que viu:

- Língua! Nada como uma boa língua feita pelos pastores gregos, que a preparam tão bem. Mas por que escolheste exatamente a língua como a melhor comida do mundo?

O escravo, de olhos baixos, explicou sua escolha:

- O que há de melhor do que a língua, senhor? A língua é que nos une a todos, quando falamos. Sem a língua não poderíamos nos entender. A língua é a chave das ciências, o órgão da verdade e da razão. Graças à língua é que podemos construir cidades; graças à língua é que podemos dizer do nosso amor. A língua é o órgão do carinho, da ternura, do amor, da compreensão. É a língua que torna eternos os versos dos grandes poetas e as idéias dos grandes escritores. Com a língua se ensina, se persuade, se instrui, se fala com Deus, se explica, se canta, se descreve, se elogia, se demonstra e se afirma. Com a língua dizemos "mãe" e "querida" e "DEUS". Com a língua dizemos "sim". Com a língua dizemos "eu te amo". O que pode haver de melhor do que a língua, senhor?

O mercador levantou-se, entusiasmado:

- Muito bem, Esopo! Realmente tu me trouxeste o que há de melhor. Toma agora outra sacola de moedas. Vai de novo ao mercado e traze o que houver de pior, pois quero ver tua sabedoria.

Mais uma vez, depois de algum tempo, o escravo Esopo voltou do mercado trazendo um prato coberto por um pano. O mercador recebeu-o com um sorriso:

- Hum... já sei o que há de melhor. Vejamos agora o que há de pior...

O mercador descobriu o prato e ficou indignado:

- O que? Língua outra vez? Língua? Não disseste que a língua era o que havia de melhor? Queres ser açoitado?

Esopo baixou os olhos e respondeu:

- A língua, senhor, é o que há de pior no mundo. É a fonte de todas as intrigas, o início de todos os processos, a mãe de todas as discussões. É a língua que separa a humanidade, que divide os povos. É da língua que se utilizam os maus políticos quando querem nos enganar com suas falsas promessas. É da língua que se utilizam os vigaristas quando querem trapacear. A língua é o órgão da mentira, da discórdia, dos desentendimentos, das guerras e da exploração. É a língua que mente, que esconde, que engana, que explora, que blasfema, que insulta, que se acovarda, que mendinga, que xinga, que bajula, que destrói, que calunia, que vende, que seduz e que corrompe. Com a língua, dizemos "morre" e "canalha" e "demônio". Com a língua dizemos "eu te odeio"! Aí está, senhor, porque a língua é a melhor e a pior de todas as coisas!


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